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PL 6268/2016: Mais uma tragédia ambiental anunciada

Artigo de Opinião

Renato Richard Hilário

"Nesse momento está em tramitação na Câmara dos Deputados o projeto de lei (PL) 6268/2016, de autoria do deputado Valdir Colatto (PMDB/SC), que trata sobre a Política Nacional de Fauna. O PL está na comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, e ainda precisa de passar por mais comissões antes de ir ao plenário da câmara para votação. Mas desde já precisamos nos preocupar com ele. A justificativa para apresentação do PL está baseada no fato que existem algumas espécies exóticas (provenientes de outros ambientes) que se tornam abundantes e passam a causar problemas ambientais. Essas espécies, então, poderiam ser caçadas como forma de diminuir sua densidade, ou até mesmo erradicá-las do ambiente. O principal problema com essa justificativa é que ela só justifica parte do PL. Na verdade, trata-se de um engodo. Pois o PL abre a possibilidade de haver caça de espécies nativas do Brasil e que não estejam causando problema ambiental algum. Vale lembrar ainda que a possibilidade de caça como forma de manejo das espécies exóticas já é permitida na legislação atual.

Além de apresentar uma justificativa altamente falha, o PL 6268/2016 é pretensioso ao se autodenominar Política Nacional de Fauna. Basta compará-lo com outras Políticas Nacionais, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei 9.795/1999) e Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997), para ver que o PL 6268/2016 é bem mais superficial e não conta com a mesma participação pública na sua construção.

O PL 6268/2016 prevê que as espécies sejam caçadas somente quando houver um plano de manejo adequado, fazendo com que a caça seja liberada em condições que não ameacem as populações dessas espécies. Nesse ponto, temos mais alguns problemas. O primeiro deles é que é tradição no Brasil realizar estudos de impacto ambiental mal feitos para o licenciamento de empreendimentos. O fato desses estudos serem mal elaborados geralmente atrasa a aprovação deles pelos órgãos responsáveis, levando a uma pressão por parte dos empreendedores, e até mesmo do governo, para a liberação da licença. Exemplos disso foram a transposição do Rio São Francisco, as hidrelétricas do Rio Madeira, e mais recentemente, Belo Monte. Então, devemos ter em mente que estudos mal feitos podem sim colocar as espécies em risco.

O segundo problema é a possibilidade de se realizar a caça em locais sem licença e sem estudo prévio, "esquentando" os produtos dessa caça como se eles tivessem vindo de locais legalizados. Isso já ocorre hoje em dia com a exploração de madeira, mostrando a dificuldade de se fiscalizar adequadamente esse processo. Além disso, a falta de fiscais devidamente treinados é um risco adicional. Apesar do PL vetar a exploração de espécies ameaçadas de extinção, devemos levantar a seguinte questão: os fiscais conseguiriam distinguir espécies ameaçadas que são parecidas com espécies não ameaçadas? Em muitos casos, somente profissionais altamente especializados são capazes de fazer essa distinção, devido às semelhanças entre essas espécies. Vale lembrar que os fiscais estariam lidando com um número elevado de espécies pertencentes a vários grupos biológicos, como aves, mamíferos, jacarés, tartarugas, etc., o que torna a identificação correta desse grande número de espécies mais difícil.

Por fim, o PL 6268/2016 ainda tem um outro ponto negativo: reforçaria a cultura da caça recreacional. Não quero aqui condenar atividades culturais e de subsistência de populações tradicionais, até mesmo porque o direito à caça de subsistência é garantido a essas populações (Lei 9.605/1998). O que deve ser condenado é que pessoas que vivem no meio urbano ou que não dependam dessa atividade criem um gosto por adentrar as matas e matar dezenas de animais por puro prazer. Isso aumentaria, e muito, a quantidade de pessoas que caçam, e aumentaria também o número de animais caçados em cada evento de caça. Isso porque na caça de subsistência a pessoa realiza um ou poucos abates e volta para a sua casa para consumir a presa, mas na caça recreacional, quanto maior o número de animais mortos, maior é o "prazer mórbido e covarde" do caçador. As populações animais, já ameaçadas pelo processo de desmatamento, sofreriam um impacto muito forte. Um aumento no gosto pelo consumo de carne de caça poderia gerar uma maior demanda também pela venda ilegal dessa caça, que é outra atividade difícil de ser fiscalizada.

É fato que outros países legalizaram a caça e conseguem obter recursos significativos a partir dessa atividade, mas as questões levantadas acima mostram que existe um grande risco se o Brasil legalizar essa atividade. Várias outras atividades funcionam bem em outros países e mas não funcionam bem aqui. Será que precisamos correr esse risco de ameaçar parte da nossa biodiversidade (aliás, a maior do mundo). Dado que populações tradicionais que utilizam a caça na sua alimentação regular já possuem esse direito garantido, o PL 6268/2016 visa somente atender aos interesses de pessoas que não dependem da caça, mas querem exercê-la de forma recreativa. A biodiversidade é um patrimônio de todos os brasileiros e não pode, e nem deve, ser ameaçada pelo lazer de alguns poucos. A sociedade deve se mobilizar nesse momento para que este projeto não venha a ser aprovado silenciosamente.

Um último destaque deve ser feito para mostrar que os interesses de alguns nem sempre beneficiam a maioria: O novo código florestal (Lei 12.621/2012) foi aprovado em 2012, diminuindo a proteção de margens de rios, encostas, topos de morro, e anistiando desmatamentos ilegais já promovidos. Hoje em dia, várias cidades do Brasil tem passado por crises periódicas de falta de água, que estão relacionadas com o novo código florestal e com o desmatamento da Amazônia, já que a evaporação de água na floresta cai na forma de chuva no centro-sul do Brasil através do movimento das massas de ar. Não conseguimos impedir essa tragédia que já assola milhões de brasileiros. Mas podemos nos dar ao luxo de assistir mais uma tragédia socioambiental no Brasil?"


Renato Richard Hilário é graduado em Ciências Biológicas, Mestre em Ecologia e Doutor em Zoologia. Atualmente é professor da Universidade Federal do Amapá.

Contribuições: Ivan Vasconcelos - Analista Ambiental do Parque Nacional do Cabo Orange.


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